05 de Mai de 2024
As cirurgias refrativas ficaram ainda mais precisas e personalizadas com a nova geração de auto-refratores. Pesquisadores já estudam a fabricação nacional do produto, que vai garantir a alta precisão também no diagnóstico.

O ideal seria poder entrar no cérebro do paciente e enxergar através de seus olhos, avaliando exatamente sua capacidade de visão. Mas não, isso ainda não é possível. A indústria de equipamentos oftalmológicos ainda não descobriu a receita para que o médico decifre a sensibilidade do paciente a cada figura apresentada. Entender o que – e como – o outro enxerga continua sendo o grande desafio.

A boa notícia, entretanto, é que já é possível aproximar-se ao máximo do grau ideal de deformidade visual de cada um que senta à frente de um aparelho auto-refrator. Os oftalmologistas brasileiros tem acesso ao que há de mais moderno em auto-refração: os aparelhos de wavefront. Esses equipamentos medem a forma tridimensional da frente de onda que passa pela pupila, com alta resolução. Para se ter uma idéia da diferença, basta dizer que o sistema antigo tem condições de avaliar até seis pontos diferentes em cada olho e, o novo, mais de mil. O resultado é um mapa de refração extremamente preciso, que gera um resultado numérico bem mais próximo do que é obtido com a avaliação subjetiva do paciente.

Essa tese vem sendo comprovada no dia-a-dia dos consultórios, garante o oftalmologista Paulo Schor, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo ele, o sistema foi aplicado inicialmente nas cirurgias a laser, que agora se baseiam em análise de frentes de onda. São as chamadas “cirurgias refrativas customizadas”, que podem melhorar em até 20% a acuidade visual na correção de até 7 graus de miopia e 5 de astigmatismo. A principal diferença em relação ao procedimento tradicional é o fato de este método conseguir corrigir as pequenas distorções visuais, as aberrações. O sistema começou a ser utilizado nos Estados Unidos em 2003 e chegou ao Brasil poucos meses depois. Milhares de brasileiros já foram submetidos a cirurgias refrativas customizadas – e aprovaram o método.

Para os pacientes do oftalmologista Wilson de Freitas, do Instituto da Visão da Unifesp, o auto-refrator com base em análise de frentes de onda já é uma realidade. “Muitos queixavam-se de que, mesmo depois da cirurgia, continuavam com dificuldades para enxergar, principalmente à noite. Isso levou os médicos a perceber que outros fatores, além do grau, influenciavam na qualidade da visão. A partir daí a palavra ‘aberrações’ passou a fazer parte do nosso vocabulário. Os novos auto-refratores surgiram para acabar com as distorções que as cirurgias a laser comuns não corrigem”, explica.

Freitas fala com a propriedade de quem comprovou cientificamente a eficiência do wavefront na avaliação de 279 olhos de 147 pacientes. É essa a base da tese de doutorado que defenderá em novembro, a primeira do gênero no país. “Tanto a refração clínica como a automatizada foram realizadas sob cicloplegia. Depois de uma análise criteriosa e estatística, chegamos à conclusão de que os aparelhos de wavefront são altamente eficientes. O resultado mostrou uma diferença entre as refrações de -0,19 DE combinado com -0,06 DC no eixo de 15, para um olho, e -0,17 DE combinado com -0,05 DC no eixo de 3, para os dois olhos. São números clinicamente insignificantes”, conclui.

Made in Brazil


Se os auto-refratores já são comprovadamente um sucesso em cirurgias refrativas, a expectativa dos especialistas agora é que o aparelho seja amplamente utilizado também para diagnósticos. “A grande tendência hoje é a substituição dos auto-refratores tradicionais pelo wavefront também nos consultórios. Alguns médicos temem que o aparelho poderá substituí-los na avaliação do paciente. Eu não concordo. Mesmo com toda a precisão que a máquina pode dar, a análise subjetiva da percepção do paciente é fundamental. O médico precisa se familiarizar com a tecnologia, saber usá-la a seu favor”, argumenta Schor.

Este é o desafio enfrentado hoje pelos médicos brasileiros: adequar-se à nova tecnologia e, principalmente, ter acesso a ela. Os equipamentos produzidos no exterior chegaram ao país via grandes empresas multinacionais, com a desvantagem do alto custo. O preço pode chegar a R$ 200 mil. Luis Alberto Vieira de Carvalho, pós-doutorado em ciência da visão pela Universidade da Califórnia em Berkeley e sócio da Eyetec Equipamentos Oftálmicos, conta que a tecnologia é baseada na chamada óptica adaptativa. “Esses sensores ópticos são usados há muitos anos por astrônomos, pois permitem que estrelas e galáxias a milhares de anos-luz sejam vistas na Terra com excelente qualidade. Quando Bille & Liang e sua equipe publicaram em 1994 o primeiro trabalho usando esses sensores para medir as aberrações de olhos ao invés de estrelas, dava-se o início ao que chamamos hoje de instrumentos wavefront para oftalmologia. Foi logo depois disso que outras empresas na Europa e nos EUA começaram a desenvolver protótipos a custos mais acessíveis para o mercado oftalmológico. Mesmo assim, sabemos que para a realidade brasileira os custos ainda são muito altos”, relata.

Pensando nisso, desde que os novos auto-refratores foram descobertos pesquisadores brasileiros vêm se mobilizando para viabilizar o produto nacional. “O Brasil está na crista da onda em produção tecnológica. O
auto-refrator nacional pode chegar em breve ao mercado e deverá ser usado principalmente para diagnóstico”, anuncia Schor. É também o que garante Carvalho. “Trabalho na pesquisa de um produto nacional desde o ano 2000. A Eyetec já investiu mais de R$ 500 mil no projeto, além dos R$ 500 mil
liberados pela Fapesp. O wavefront nacional está em fase final de desenvolvimento. Nosso produto tem um sensor próprio que, em vez de se basear na simetria de Hartmann-Shack, utiliza um princípio que prevê uma precisão ainda maior”, afirma. O especialista garante que o preço do equipamento nacional deverá ser, no mínimo, 50% menor.

A fabricação nacional dos novos auto-refratores não parece incomodar as grandes empresas multinacionais que hoje atuam no Brasil. Para Hamilton Branco, da Alcon Laboratórios do Brasil, o produto similar brasileiro não chega a ser um concorrente dos importados. “O foco da Alcon são as cirurgias refrativas personalizadas. Desde fevereiro de 2003 já realizamos mais de 1,5 mil operações no país, resultados superiores aos dos EUA. O produto nacional é destinado exclusivamente para diagnóstico”, diz.

Essa é também a opinião de Elizeu Ramos, da Visx. “Nossa empresa está envolvida somente com cirurgia refrativa. E podemos dizer que somos os que mais investimos em pesquisa nesse segmento, em todo o mundo, por isso não acho que vamos perder espaço no mercado. Como o foco do produto nacional será
diagnóstico, sei que nossos produtos continuarão sendo importantes para as cirurgias refrativas”, declara.









Fonte: Revista Universo Visual