Entre os motivos da longa espera, a má condição dos tecidos causada pelo tipo de morte do paciente ou pelo longo tempo que o doador ficou em UTI
Um problema de saúde chama atenção: o brasileiro que precisa de um transplante de córnea espera, em média, três anos. Essa espera poderia ser menor se metade das doações não fosse descartada ainda nos bancos de olhos.
O oficial de justiça Francisco Martins tenta se adaptar a um grave problema de visão. Há dois anos, ele não consegue enxergar com o olho direito por complicações na córnea. “É uma ansiedade muito grande, você fica esperando a qualquer hora encontrar a recuperação desse órgão tão importante na vida da gente. Se você não tiver fé, você se desespera, porque é muito ruim", diz.
Ele é uma das 24 mil pessoas que estão na lista de transplante de córnea no país. O esforço para diminuir essa fila começa com a captação dos órgãos. Mas nem sempre a doação significa que o transplante será realizado.
Toda córnea doada tem de ir direito para um laboratório e passar por, no mínimo, três análises, que vão revelar se pode ou não ser aproveitada. São exames rigorosos, que, para segurança dos receptores, acabam descartando muitas doações. No Ceará, por exemplo, quase metade das córneas não passa nos testes.
No Brasil, das 21 mil córneas captadas pelos bancos de olhos ano passado, 10 mil e 600 não foram utilizadas. Entre os motivos, a má condição dos tecidos causada pelo tipo de morte do paciente ou pelo longo tempo que o doador ficou em UTI, por exemplo. Além de problemas de saúde do doador, como HIV, infecções generalizadas e alguns tipos de hepatite. A oftalmologista Marineuza Rocha, do Banco de Olhos do Ceará, explica que a intenção é sempre aumentar os critérios na análise das córneas doadas:
"A partir do momento em que você disponibiliza córneas que não estão com controles de qualidade muito boas, aqueles pacientes vão terminar rejeitando aquelas córneas e voltando para a fila”.
Depois de dois anos e meio na fila, Dona Francisca fez o transplante. Recebeu duas córneas saudáveis e, hoje, aos 80 anos, enxerga tão bem que voltou a costurar.
"Se as pessoas doassem mais seria muito bom, porque é uma alegria a pessoa saber que é cega e voltar a enxergar. Eu acho que é melhor do que ganhar na loteria”, comemora a aposentada Dona Francisca.
O Banco de Olhos de Sorocaba, que atua em conjunto com o Hospital Oftalmológico da cidade, é referência nacional em captação e transplante de córneas. Ele atua na captação de córneas não apenas em Sorocaba, mas também nas cidades da região, em São Paulo e em Campinas, sendo responsável por mais de 70% das córneas captadas em nível estadual e 40% em nível nacional. A fila de espera para transplante é de apenas um mês.
“O índice de perda de córnea de 50% é mundial. É considerado aceitável. O que dá para melhorar é a capacitação de recursos humanos, ou seja, os profissionais envolvidos na captação e preservação da córnea. A própria abordagem dos familiares é importante, porque é um momento em que a pessoa está fragilizada”, conta o oftalmologista Renato Andrade Machado, do Banco de Olhos de Sorocaba. “Em relação à quantidade de córneas aproveitadas, varia com a região. Como foi falado, doenças infectocontagiosas é uma causa muito importante no não aproveitamento do tecido. A estatística de pessoas com esses problemas varia de acordo com cada região.”
A lei brasileira de transplante, de 1997, jamais funcionou a pleno vapor. “Isso é um problema cultural”, afirma Renato. “Aqui no Banco de Olhos é uma coisa que temos que conscientizar o tempo todo da importância da doação de tecidos. Isso varia de acordo com a cultura. No Japão, o índice de doação é muito maior do que aqui”.
O oftalmologista disse que a tecnologia envolvida no transplante de córnea é cada vez mais avançada. “É uma cirurgia complexa para o cirurgião, mas o paciente fica numa situação tranqüila. Utiliza-se o laser, que já está disponível pelo Sistema Único de Saúde".
Fonte: g1