13 de mar de 2025

Trajetória de Marcos Lima, de "Histórias de Cego", vai da seleção brasileira de futebol de cegos e esqui na neve até consultoria em novela

Marcos Lima é criador do projeto "Histórias de Cego" que apresenta o cotidiano de pessoas cegas
Marcos Lima é criador do projeto "Histórias de Cego" que apresenta o cotidiano de pessoas cegas

Marcos Lima é criador do projeto "Histórias de Cego" que apresenta o cotidiano de pessoas cegas (Foto: Reprodução Facebook)

O carioca radicado em Belo Horizonte, Marcos Lima, se define como um "jornalista de formação e comunicador de coração". Aos 40 anos, acumula em seus perfis nas redes sociais mais de 600 mil seguidores e produz conteúdos sobre pessoas cegas, como ele. "Não considero que tenho uma deficiência, porque não é que enxergue pouco, eu não enxergo. A oftalmologia tem uma série de classificações e a cegueira é um diagnóstico visual", explica Marcos.

A recusa do termo se dá em especial pelo seu trabalho de décadas em ressignificar o termo cego. "Todos os meus projetos e canais se chamam 'História de Cego', porque não tem problema nenhum com esse termo. Ele ainda é muito usado como um sinônimo de burro, de bobo, mas a palavra em sí não é ofensiva". Marcos nasceu com glaucoma congênito, que tem como principal causa o aumento da pressão ocular devido ao acúmulo de líquido no local, e passou por dezesseis cirurgias até os 7 anos, quando perdeu completamente a visão. "Tenho poucas memórias porque era muito pequeno, mas lembro que foi tudo muito dolorido, sedação, colírio, muitos colírios doloridos, a fotofobia. De uma hora para outra parou tudo, parou a dor, parou cirurgia. Para mim, perder a visão foi a melhor coisa que me aconteceu", aponta.  

Marcos Lima com 7 anos já mostrando serum grande fã de futebol
Marcos Lima com 7 anos já mostrando serum grande fã de futebol

Marcos Lima com 7 anos já mostrando ser um grande fã de futebol (Foto: Reprodução Facebook)

Até chegar ao ensino médio, que cursou no colégio federal Dom Pedro II, uma referência no ensino carioca, Marcos convivia quase que exclusivamente com pessoas cegas. "Na época, foi um teste e felizmente deu certo, tinha apenas eu e mais um menino cego e foi a primeira vez que tive colegas que enxergavam. Foi um desafio, mas uma fase muito boa da minha vida". Na mesma época, duas paixões também se consolidaram: a comunicação e o esporte. Elas chegaram a entrar em disputa quando Marcos foi escalado para seleção brasileira de futebol de cegos ao mesmo tempo em que passou no vestibular para comunicação social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Infelizmente, tive que escolher e fui para faculdade, que era o que iria me permitir ter uma profissão com uma renda". 

Mas o esporte não deixou a vida do comunicólogo. Junto com amigos, fundou aos 23 anos a URECE Esporte e Cultura, ONG que desenvolve treinamentos esportivos, oficinas e projetos especiais para pessoas com deficiência visual de todas as idades em quatro modalidades paralímpicas: Futebol de 5, Goalball, Atletismo e Judô. "No futebol eu aprendi que podia fazer tudo. O esporte de modo geral é maravilhoso porque é uma forma de se apresentar positivamente para as pessoas. Não tem pena, é uma avaliação por desempenho e mostra que as pessoas com deficiência podem fazer o que quiserem", celebra. "As pessoas acham que a nossa vida é muito mais dependente do que ela é e têm dificuldade de entender que somos funcionais, que somos pessoas autônomas. Existem pessoas cegas de todas as formas e com diversas opiniões, mas a deficiência não define a gente, como a gente é. Somos muitas outras coisas". 

Pioneirismo e o mundo digital 

Ainda no campo esportivo ele foi o primeiro brasileiro a esquiar na neve, na República Tcheca. "Foi um acampamento onde professores de educação física estavam ali para aprender como ensinar pessoas com deficiência a praticar o esporte e eu fui como aluno", conta ele, que também trabalhou nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro 2016 por três anos, após fazer uma palestra para o comitê olímpico em 2013. 

Marcos com a tocha olímpica durante os Jogos do Rio em 2016
Marcos com a tocha olímpica durante os Jogos do Rio em 2016

Marcos com a tocha olímpica durante os Jogos do Rio em 2016 (Foto: Reprodução Facebook)

Com o fim dos jogos Marcos teve dificuldade em se recolocar no mercado e, apesar da timidez, passou a investir na produção de conteúdo online." Cheguei a trabalhar com assessoria de imprensa, mas o que eu gosto é comunicação, é usar a comunicação para quebrar os preconceitos", conta. "O preconceito é originado pela falta de conhecimento, pela realidade que a gente não conhece. A gente acha que conhece e nosso cérebro vai preenchendo lacunas com informações que nem sempre são verdade, então com os vídeos eu apresento a realidade", aponta ele, lembrando que preconceito e discriminaçao são coisas diferentes e o segundo caso é crime e deve ser punido. "Mas preconceito pode ser curado com comunicação", defende.  

No universo digital, começou com a produção de textos para um blog, mas ao perceber que as pessoas não querem mais ler tanto, começou a gravar vídeos e publicar no canal "Histórias de Cego". "Demorou um ano para chegar em 100 inscritos no Youtube, só no fim de 2018 as coisas melhoraram e começou a crescer de verdade. Hoje, é minha maior vitrine". O projeto também ganhou livro, publicado em 2020 pela Editora Oficina Raquel. 

Além de levar informações sobre pessoas cegas, as redes, feitas com muita leveza e humor, são plataformas para as palestras e formações que Marcos dá para empresas e organizações e rendeu um convite para participar de encontros para preparação da novela "Todas as Flores", exibida atualmente na Globoplay. 

Sophie Charlotte interpreta Maíra, a personagem principal da novela "Todas as Flores"
Sophie Charlotte interpreta Maíra, a personagem principal da novela "Todas as Flores"

Sophie Charlotte interpreta Maíra, a personagem principal da novela "Todas as Flores" (Foto: TV Globo/Estevam Avellar/Divulgação / Elas no Tapete Vermelho)

"Nunca imaginei que um dia iria ter uma personagem protagonista de novela com deficiência. E é ótimo que ela possui um monte de atributos, compra várias outras brigas além da acessibilidade, tem um relacionamento. Isso tudo mostra um pouco que a vida da pessoa cega vai além da deficiência. A novela está sendo muito cuidadosa, algumas coisas não agradam, mas está acertando bastante", celebra.   

E, para 2023, Marcos pretende seguir com o combate ao preconceito por meio das suas grandes paixões, o esporte e a comunicação, produzindo conteúdos online, além de realizar palestras e formações. 

 

 

 

 

Fonte: Portal Terra