16 de Abr de 2024

Um milhão de euros do Prêmio António Champalimaud de Visão 2019 será repartido por três instituições brasileiras que combatem a cegueira.

O Instituto Paulista de Estudos e Pesquisas em Oftalmologia (IPEPO), a Fundação Altino Ventura e o Serviço de Oftalmologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) já realizaram milhões de consultas oftalmológicas e cirurgias oculares em todo o território brasileiro. Agora, pelo seu trabalho de combate à cegueira de milhões de pessoas, estas três instituições brasileiras são distinguidas com o Prêmio António Champalimaud de Visão 2019 – a maior distinção nesta área – no valor de um milhão de euros. A entrega desta grande quantia é esta quarta-feira à tarde, no Centro Champalimaud, em Lisboa, numa cerimônia presidida por Marcelo Rebelo de Sousa.

Combate ao pterígio

“O trabalho da nossa instituição consiste em facilitar o acesso do atendimento oftalmológico na população combatendo a cegueira e usando tecnologia moderna, teleoftalmologia e recursos modernos para atuar em regiões mais remotas do Brasil.” É assim que Rubens Belfort, presidente da IPEPO, resume o trabalho da instituição. Fundada em 1990, atua na região de São Paulo e em áreas da Amazônia brasileira.

Só nos últimos cinco anos, a IPEPO realizou cerca de dois milhões de consultas oftalmológicas e mais de 100 mil cirurgias oculares, segundo um comunicado da Fundação Champalimaud. Além do atendimento, Rubens Belfort destaca a pesquisa científica. “Realizamos estudos epidemiológicos muito importantes para saber quais as causas de cegueira na Amazônia e como atuar para as diminuir”, diz, salientando o estudo relacionado com o pterígio, doença que ocorre quando o tecido da conjuntiva (que cobre a parte branca dos olhos) cresce e fica menos vascularizado do que a córnea (parte transparente do olho). Através de um levantamento populacional feito com amazonenses a partir dos 45 anos, percebeu-se que o pterígio era uma causa muito substancial de cegueira na Amazônia.   

“Quando estudamos as causas da cegueira, o pterígio era a terceira causa, o glaucoma a segunda e a catarata a primeira, mas ainda não sabemos bem se o pterígio é uma causa reversível ou irreversível”, esclarece Solange Salomão, professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, que está ligada ao IPEPO. De acordo com Solange, a cirurgia do pterígio resolverá, provavelmente, esse problema, mas é uma operação difícil, tem um pós-operatório complicado e cerca de 30% das pessoas que a fazem acabam por ter uma recidiva.

Mesmo assim, a IPEPO não tem parado de combater esta doença: já se fizeram mais de 50 expedições à Amazônia brasileira em que se realizaram entre 500 a 1000 cirurgias gratuitas. Quanto às causas desta doença, desconfia-se que esteja associada à maior incidência de raios ultravioletas na região do que noutras partes do mundo e que isso tenha efeitos em várias estruturas dos olhos. Agora, uma parte do Prémio Champalimaud de Visão será usada no financiamento dos estudos da IPEPO e no tratamento às cataratas.

Um “projeto muito lindo” com crianças

Fundada em 1986, a Fundação Altino Ventura dedica-se à pesquisa científica, ao ensino e ao atendimento de pessoas do Sistema Único de Saúde (SUS) no Nordeste do país. A história desta fundação começou com uma clínica criada por Altino Ventura, em 1953. A partir daí, as atividades foram crescendo até surgir a fundação, agora presidida pelo seu filho Marcelo Ventura. Hoje esta família já tem 29 oftalmologistas.

Com sede no Recife, esta instituição já está em nove estados do Brasil, na sua emergência oftalmológica atende 15 mil doentes por mês (500 por dia) e trata de 190 mil doentes por ano. Ao longo da sua história, conta com a realização de mais de 14 milhões de procedimentos oftalmológicos e formou 572 oftalmologistas.   

“Este prêmio vai permitir-nos atender mais pacientes na área da reabilitação visual auditiva, motora e intelectual”, assinala Marcelo Ventura. O médico oftalmologista destaca que este prêmio será investido em recursos no atendimento às crianças, como as que têm problemas neurossensoriais, motores e de desenvolvimento provocados pela infecção congênita do Zika vírus. “Há algum tempo que temos trabalhado para fazer um projeto muito lindo de reabilitação visual, a hidroterapia, que dá acesso aos pacientes a tratamentos com água”, indica, referindo que o prêmio impulsionará este projeto e permitirá a contratação de mais profissionais e a disponibilização de mais vagas para crianças.

Como grande problema da oftalmologia no Brasil, Marcelo Ventura frisa a falta de financiamento. “Dentro do direito brasileiro existe o direito à saúde plena, mas infelizmente não existe acesso para que todos possam tê-lo garantido.” Por exemplo, “a causa de baixa visão mais significativa é a falta de óculos” devido ao financiamento. Mesmo assim, salienta que houve melhorias nos últimos anos, como o “teste do olhinho”, um exame realizado em recém-nascidos que serve para detectar problemas oculares congênitos.

Livre de catarata

Integrado no Hospital de Clínicas da Unicamp, um dos mais importantes hospitais públicos do Brasil, o Serviço de Oftalmologia dessa universidade dá aulas e presta atendimento. Atualmente, está em 90 municípios próximos da cidade de Campinas – abrangendo cerca de cinco milhões de pessoas –, faz 3000 cirurgias de catarata por ano, o seu serviço de ambulatório de oftalmologia atende 500 pessoas por dia e tem vários projetos reconhecidos mundialmente.

“Nos últimos anos, o que nos diferenciou foram as atividades a que chamamos ‘extramuros’, que são de oftalmologia comunitária”, diz Carlos Arieta, coordenador da disciplina de Oftalmologia na Unicamp. Como se percebeu que as pessoas tinham dificuldade em chegar ao hospital, em 1986 iniciou-se o projeco “zona livre de catarata”. Carlos Arieta recorda que, nessa altura, foram a um bairro pobre de Campinas com cerca de 100 mil pessoas e fizeram exames, forneceram óculos e cirurgias. “A maior parte das pessoas com problemas de visão precisava de cirurgia para de catarata, que ainda é a doença principal a causar cegueira no Brasil e é reversível com uma cirurgia.” Depois, reproduziram este tipo de atendimento e, ao fim de poucos anos, este projeto já abrangia milhões de pessoas, acabando por ser replicado por outras instituições.

Agora, o maior desafio do Serviço de Oftalmologia da Unicamp continua sendo fazer com que as pessoas cheguem ao hospital. Afinal, ainda há cerca de um milhão de cegos no Brasil e entre três a quatro milhões de pessoas com problemas visuais. “O acesso ao atendimento e à saúde ocular é talvez o que a gente mais anseia”, considera Carlos Arieta. Por isso, nos próximos anos, há a ambição de formar uma rede pública de oftalmologia. Isto é, juntar os serviços de oftalmologia que estão subutilizados para aumentar o atendimento das pessoas. Espera-se que esta rede esteja em funcionamento entre 2020 e 2021.

“Vamos aproveitar a divulgação deste prêmio para propor aos gestores de saúde da região que se monte esta rede de oftalmologia para o sistema público”, destaca Carlos Arieta. Esta distinção também irá contribuir para o novo espaço físico do Serviço de Oftalmologia.

 

 

 

 

Fonte: publico.pt