O anúncio de um novo procedimento capaz de transformar olhos castanhos em azuis levantou polêmicas, interessou a muita gente e causou desconfiança em especialistas. Ainda em fase de testes, a técnica já foi aplicada em pequena escala e será testada em um grupo de 100 pessoas para determinar seu efeito e
segurança. Para realizar a mudança, o médico aplica um raio laser no olho do paciente destruindo o pigmento marrom da íris.
De acordo com Gregg Homer, criador do procedimento, a transformação não tem efeitos colaterais, mas o ex-presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, Mário Motta, afirma que a aplicação do laser causa uma irritação na íris que pode vir a se transformar em problemas graves. De acordo com Motta, a irritação é inevitável e ela pode tanto desaparecer sem causar doenças como também pode se transformar em um glaucoma ou até uma catarata.
Além da polêmica médica, o procedimento também têm oposição entre pessoas que acham excessivo mudar a cor dos olhos ou ainda que vêem na transformação um reforço de ideias racistas. Para falar de todas estas questões, Gregg Homer concedeu uma entrevista exclusiva ao Portal Terra, na qual defende o direito de escolha dos indivíduos e afirma que só vai oferecer o procedimento ao público se for seguro o bastante para a própria filha.
Entrevista
Portal Terra - Como o senhor chegou à ideia de alterar a cor dos olhos? Fazia parte de alguma pesquisa ou se baseou em interesse estético?
Dr. Gregg Homer - Sou um inventor/cientista/pesquisador mais do que um médico atuante, então estou sempre buscando como fazer novas coisas, ou novos meios de fazer velhas coisas. Me interessei pelo laser há uns dez anos e, em seguida, pela interação entre laser e pigmentos. Eventualmente, comecei a me perguntar como isso se aplicaria à cor dos olhos. Encontrei um artigo do meio dos anos 80 que fornecia informação suficiente para sugerir que o laser poderia mudar a cor dos olhos do escuro para o claro.
PT - Há muitas pessoas interessadas no procedimento?
GH - Já tínhamos recebido cerca de 2 mil e-mails ainda antes de divulgarmos o procedimento. Desde então, provavelmente recebemos mais 3 mil. A resposta está sendo incrível. Nossa pesquisa de mercado indica que aproximadamente 17% das pessoas com olhos castanhos mudaria a cor dos olhos.
PT - Como a comunidade médica recebeu a ideia, há mais incentivo ou críticas à sua pesquisa?
GH - Tivemos um grande apoio da comunidade oftalmológica mundial. Há alguns médicos que fizeram comentários negativos sobre a tecnologia, mas eles não estão familiarizados com o procedimento ou com a pesquisa. Um dos médicos que nos criticou entrou em contato na mesma semana querendo oferecer o procedimento em sua clínica.
PT - Serão realizados testes no Brasil?
GH - Nós planejamos fazer testes na América do Sul. Estamos analisando Brasil, Chile e Argentina. Os três países têm excelentes oftalmologistas. O Brasil tem muita experiência com procedimentos estéticos, mas uma regulamentação mais rígida que os outros, o que aumentaria o tempo e o custo da pesquisa, mas não
necessariamente a segurança.
PT - Já foram realizados testes em humanos? Existem pessoas com olhos que passaram de castanhos para azuis?
GH - Nós fizemos testes em 17 humanos como parte do estudo preliminar. Só tratamos uma porção da íris, mas a área tratada ficou azul e não houve nenhum efeito negativo. Nosso próximo passo é tratar uma íris inteira em 100 pessoas em diversos países e acompanhá-las por um ano.
PT - Leitores comentaram a divulgação do procedimento com reações diversas, o senhor poderia respondê-las?
GH - Alguns disseram que as pessoas deveriam manter a cor dos olhos de nascença. Àqueles que dizem que se deve viver com os olhos que se nasce, digo que a maioria de nós nasce com olhos azuis. Os olhos se tornam castanhos meses depois, quando se forma o pigmento na superfície da íris. Remover o pigmento apenas torna os olhos iguais ao nascimento. Mais importante que isso é que a maioria de nós altera nossa aparência natural em algum nível: cortes de cabelo, maquiagem, perfumes, bronzeadores, aparelhos dentários, cílios postiços, dietas, medicação para acne e daí por diante. Nossa tecnologia é apenas mais um método.
Outros disseram que as pessoas são livres para fazer o que quiserem com o corpo... Eu acho olhos castanhos lindos, mas também acho positivo as pessoas terem opções. Alguns são felizes com seus olhos castanhos, outros preferem os azuis. Agora se poderá escolher. Eu concordo com o "princípio do dano" de John Stuart Mills: somos livres para fazer o que quisermos desde que não causemos danos a outros.
Há ainda quem diga que a transformação reforça a ideia de que a raça ariana é superior às outras. Já ouvi esse comentário algumas vezes, mas realmente não entendo. Eles acham racista dar às pessoas a opção de se ter olhos azuis? Não vejo qual a relação. Eles também acusam salões de beleza por oferecerem clareamento de cabelo? Esses comentários me atingem pessoalmente porque meu pai era judeu.
PT - Qualquer pessoa poderá fazer o procedimento, há alguma restrição?
GH - Não há restrições de raça ou nacionalidade. Talvez existam algumas condições médicas que impeçam o tratamento, mas só teremos certeza depois de realizar mais testes clínicos. Também consideramos estabelecer uma idade mínima.
PT - Porque o procedimento deve estar disponível em outros países antes que nos Estados Unidos?
GH - A diferença se deve à regulamentação dos EUA. O processo de aprovação americano leva muito mais tempo e exige muito mais dinheiro.
PT - Se sabe que olhos azuis são mais sensíveis à luz que olhos castanhos. Isso não pode ser um problema para os pacientes?
GH - Nosso procedimento remove apenas o pigmento da superfície da íris, que não interfere na sensibilidade do olho, determinada pela quantidade de pigmento na parte interna.
PT - Um especialista brasileiro afirmou que a aplicação do laser pode levar a problemas graves como catarata e glaucoma, houve problemas nos primeiros testes do procedimento?
GH - A catarata ocorre no cristalino, atrás da íris, uma região que não é exposta ao laser durante o procedimento. Então a não ser que o médico cometa um grande erro, não há um alto risco de catarata.
Quanto ao glaucoma, foi uma das nossas primeiras preocupações, mas não houve problemas nos testes realizados em animais e em humanos. O glaucoma conhecido como "síndrome da dispersão pigmentar" surge da abrasão do pigmento do epitélio da íris, localizado na parte de trás dela. Esse pigmento é muito mais
espesso que o pigmento da parte da frente, e, quando há abrasão, ele se desloca em grandes pedaços. Esses pedaços se movem à parte frontal da íris, onde eles ficam presos na malha trabecular entupindo o canal de Schlemm e, com isso, reduzindo o fluxo de líquido e aumentando a pressão interna do olho. O
aumento de pressão pode levar ao glaucoma.
No nosso procedimento, o pigmento afetado é o da parte da frente da íris, mais fino que o pigmento de trás. Como resultado, o pigmento se descola gradualmente em partículas microscópicas que são pequenas o bastante para passar pela malha trabecular e pelo canal de Schlemm. Posso garantir que o procedimento não será lançado até termos certeza de que é seguro. Pessoalmente, enquanto eu não permitir que minha própria filha faça o procedimento, não oferecerei a outras pessoas.
PT - Documentos de identidade têm registrada a cor dos olhos das pessoas, isso pode impedir a aprovação do procedimento?
GH - A cor dos olhos é como a cor dos cabelos. A partir do momento que um traço físico se torna alterável, ele deixa de ser confiável para identificação.
PT - A identificação por biometria ocular é cada vez mais comum. A alteração da cor dos olhos teria algum efeito no reconhecimento da íris?
GH - A biometria se baseia no padrão da retina ou da íris, nenhum deles é afetado pelo procedimento.
Fonte: Portal Terra