26 de nov de 2024
Dra. Anna Paula Albuquerque 

Não raro, nos deparamos com pacientes que nos referem tremores palpebrais. Seria esta queixa apenas um sinal de estresse, causada por fadiga muscular, ou haveriam outros distúrbios subjacentes a serem investigados? Abaixo estão relacionadas algumas das principais causas dos movimentos palpebrais involuntários, bem como comentários a respeito da etiologia, do diagnóstico e tratamento dessas alterações. 

I - BLEFAROESPASMO 

Definição 

Qualquer anormalidade do ato de piscar resultante de qualquer causa, variando de olho seco a síndromes distônicas 

Epidemiologia 

Um estudo em duas grandes séries, revelou uma prevalência de 5:100.000 e acometimento de 2 mulheres : 1 homem. O início dos sintomas se deu após os 50 anos de idade. [ Jancovic e Orman, 1984; Grandas et al, 1988 ] 

Etiologia 

É pensado estar associado a um distúrbio nos gânglios basais, os quais têm o controle sobre os movimentos coordenados. Na maioria das pessoas se desenvolve espontaneamente. Entretanto, tem sido observado que os sinais e sintomas de olho seco freqüentemente precedem ou são concomitantes ao blefaroespasmo. A causa mais comum de blefaroespasmo é a distonia idiopática de início na vida adulta, que consiste de movimentos distônicos persistentes, envolvendo principalmente a face, mandíbula, pescoço, tronco e braços. 

Apesar de a maioria dos pacientes inicialmente consultar oftalmologistas, as desordens oculares, possivelmente mediadas pelo reflexo trigêmino-palpebral (blefarite, conjuntivite, ceratite, olho seco, uveíte) ou pelo reflexo óptico-palpebral (albinismo, maculopatias), raramente causam blefaroespasmo . [Salorio and Conte, 1988]. 

Uma variedade de lesões do tronco cerebral e dos gânglios da base, como por exemplo: AVC, esclerose múltipla, hidrocefalia têm sido associados com blefaroespasmo [Jankovic, 1986 ; Hallett and Daroff, 1996]. Esse distúrbio tem sido documentado após paralisia de Bell, em decorrência da regeneração aberrante [Chuke et al, 1996; Baker et al, 1997]. 

Ocasionalmente, pode ser uma doença familial ou fazer parte da S. de Meige (Distonia Crânio-cervical Idiopática), distúrbio em que o blefaroespasmo é acompanhado por abertura e contração da boca , podendo estar associado a doenças do SNC como doença de Wilson e doença de Parkinson. 

Evolução 

Em geral, inicia com um piscar excessivo desencadeado por fatores precipitantes como exposição à luminosidade intensa, fadiga e tensão emocional. Quando a condição progride, ocorre freqüentemente durante o dia. Os espasmos desaparecem durante o sono e tardam a aparecer após uma boa noite de sono. Sua freqüência reduz durante a concentração em uma tarefa específica (cantar, falar, puxar a pálpebra superior, ler, beliscar o pescoço). Tardiamente, os espasmos podem se intensificar de uma tal forma que, o paciente pode se tornar além de funcionalmente cego (mais de 15%), psicologicamente abalado, vindo a apresentar sintomas psiquiátricos. Entretanto, formas psicogênicas de blefaroespasmo são extremamente raras. [Scheidt et al, 1996] 

Geralmente a piora dos sintomas ocorre dentro dos 5 primeiros anos. É uma desordem de longa duração. Apenas 3% dos pacientes de 2 grandes estudos apresentaram remissão espontânea prolongada. [Grandas et al, 1988; Jankovic and Orman, 1984; Madrileno et al, 1996]. 

Diagnóstico Diferencial 

1. Blefarite;

2. Espasmo hemifacial: condição que envolve vários músculos de um dos lados da face, causada por irritação do nervo facial. As contrações musculares são mais rápidas e transitórias que aquelas do blefaroespasmo e o acometimento é quase sempre unilateral;

3. Tétano: a toxina tetânica provoca hiperatividade dos neurônios motores, causando fechamento forçado das pálpebras;

4. Doença de Whipple: além dos sintomas intestinais, apresenta oftalmoparesia supranuclear e contrações rítmicas das pálpebras, face e boca sincronicamente às oscilações convergentes dos olhos. 

Diagnóstico 

Avaliação oftalmológica cuidadosa. Não há necessidade de estudo de neuroimagem, com exceção dos casos em que se suspeita de blefaroespasmo secundário, relacionado a AVC, esclerose múltipla ou outros. 

Tratamento 

1. Injeções de Toxina Botulínica
A toxina botulínica bloqueia os impulsos nervosos nas terminações nervosas dos músculos, ligando-se às vesículas de acetilcolina e prevenindo sua exocitose. Para o tratamento do blefaroespasmo, são injetadas pequenas doses de toxina botulínica em diversos locais da musculatura periorbital ( pálpebras, supercílios e musculatura abaixo da pálpebra inferior. Seus efeitos podem ser percebidos em 1 a 14 dias e duram em média 3 a 4 meses. Estudos baseados em acompanhamento a longo prazo mostraram que o método é o mais efetivo e seguro, havendo resolução quase completa em mais de 90% dos casos. 

2. Terapia Médica
Diversas medicações como Valium, Artane (triexifenidila), Klonapin (clonazepam), Lioresal (baclofeno), Tegretol (carbamazepina) e Parlodel (bromocriptina) são utilizadas, sob a supervisão do neurologista, no tratamento desta condição, porém seus efeitos são imprevisíveis e de curta duração. 

3. Cirurgia
São candidatos à cirurgia, aqueles pacientes que não toleraram medicações ou não responderam à toxina botulínica. Miectomia de alguns ou de todos os músculos responsáveis pelo fechamento palpebral tem sido o tratamento cirúrgico mais efetivo para o blefaroespasmo, reduzindo a incapacidade visual em 75 a 80% dos casos. 


II - ESPASMO HEMIFACIAL ( EHF ) 

Quadro Clínico 

Consiste de contrações involuntárias, rítmicas e intermitentes ocorrendo nos músculos inervados pelo nervo facial. Inicia insidiosamente na face superior ou na pálpebra inferior e progride envolvendo em um período de semanas a 5 anos a porção inferior da face. Entre os espasmos, a face pode ser normal ou levemente parética no lado dos espasmos. 

Estas contrações de atividade clônica podem durar apenas alguns segundos ou eventualmente se tornarem tônicas, persistindo por minutos a horas. Geralmente é indolor, mas pode estar associado com dor facial ipsilateral, oscilopsia e tinidos, por contração do músculo tensor do tímpano. Pode ser exacerbada por fadiga, estresse ou atividades como sorrir, comer, falar, tossir,. Está presente durante o sono e é freqüentemente associada com evidência clínica e eletromiográfica de sincinesia ( regeneração aberrante ). 

Epidemiologia 

Afeta mais freqüentemente adultos de meia idade, com mulheres e homens igualmente atingidos. Muito raramente acomete adolescentes e crianças, onde é muito mais severo. 

Etilogia 

As fibras do nervo facial próximas à sua junção com o cérebro são danificadas por atrito com alças vasculares vizinhas (basilar , ramos da cerebelar) ou tumores. Então a atividade da fibra nervosa dirigida aos músculos da pálpebra será recuperada por muitas fibras adjacentes, de forma que quando o nervo for ativado toda a hemiface correspondente se moverá. Esta condução por pequenos ramos nervosos para os músculos do ouvido médio causa estalidos ou sons ruidosos no início dos espasmos. 

Diagnóstico Diferencial 

1. Tic Facial
É um movimento repetitivo, padronizado e geralmente bilateral da face, ao contrário das contrações irregulares do EHF. Em geral, ocorre na infância e pode ser prontamente inibido ao comando.

2. Mioquímia
Não pode ser diferenciado do EHF inicial, exceto pelo desaparecimento em poucos dias ou semanas e pela não progressão. Geralmente desaparece após injeção de Botox.

3. Blefaroespasmo:
É sempre bilateral e confinado às pálpebras e fronte, a menos que esteja associado com S. de Meige. Quando é assimétrico e se acompanha de contratura tônica é difícil diferenciá-lo do EHF. Raramente este último é bilateral, porém os movimentos são assimétricos e assincrônicos.


Diagnóstico 

1. História clínica

2. Tomografia Computadorizada: embora o vaso causador do dano seja geralmente muito pequeno para ser demonstrado por TC, RM ou mesmo angiografia.

3. Ressonância Magnética: em todos os pacientes com EHF, em virtude da possibilidade de haver lesão de massa no ângulo cerebelo-pontino ou lesão infiltrante da ponte.

4. Eletromiografia: detecta o "leakage" ou o "espalhamento" da estimulação nervosa entre as diversas porções da face, característico do EHF. É o dignóstico definitivo.


Tratamento 

1. Casos leves: conduta expectante

2. Casos severos:

Toxina botulínica: boa resposta, com duração do efeito por mais de 6 a 12 meses

Descompressão microcirúrgica: o vaso é reposicionado e há desaparecimento dos sintomas em 90% dos casos. Entretanto, é invasivo e tem como complicações deficiência auditiva e paresia facial. 

III - MIOQUÍMIAS 

Definição 
São movimentos faciais involuntários, ondulantes e contínuos da musculatura facial, que envolvem predominantemente os músculos periorais e perioculares. 

Causas 

Tumores do tronco cerebral e do ângulo pontino-cerebelar, meningite carcinomatosa, sarcoidose, esclerose múltipla, S. de Guillain-Barré, hemorragia subaracnoídea , etc. 

Diagnóstico Diferencial 

Espasmos transitórios da fadiga extrema; 
Espasmo hemifacial; 
Tics faciais; 
Convulsões focais; 
Movimentos sincinéticos . 


Dra. Anna Paula L. de Albuquerque 
Residência no Hospital Regional de São José Dr. Homero de Miranda Gomes 
Cursos de Aperfeiçoamento em Córnea, Doenças Externas e Plástica Ocular na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo