"Parece que servem sopa aqui. Adoro. Ouvi a conversa na outra mesa", diz Bernadete Fonseca, 51, pouco antes de entrar no táxi que a espera, ao lado do marido, na saída da Forneria San Paolo.
Bernadete vê apenas contornos de luz. Sofre de uma doença que a fez perder quase toda a visão. Conheceu Geraldo Fonseca, 53, (cego desde a infância) quando procurava se adaptar, e, há quatro anos, estão juntos.
Gostam de frequentar restaurantes, mas nem sempre têm facilidade à mesa. Recentemente foram à rua Amauri, o badalado endereço gastronômico do Itaim Bibi (zona sul de São Paulo). Dos 11 restaurantes dali, somente três, entre eles o Parigi, têm cardápio em braile, como manda a lei.
Acomodados à mesa da Forneria San Paolo, perguntam ao garçom sobre a especialidade da cozinha. O funcionário ensaia a leitura, mas, 15 minutos depois, finaliza poucas descrições. Ele é interrompido, a cada instante, por perguntas como "Qual o valor desse prato?". O salão está cheio e ele não segue até o fim da lista.
"O menu em braile dá privacidade. Escolho o que dá água na boca e o que posso pagar", diz Bernadete assim que o atendente se vai.
Para atender aos cerca de 148 mil cegos no Brasil (número do IBGE), não é preciso investimentos altos. A transcrição, feita por instituições como a Dorina Nowill, custa R$60 por dez páginas.
Outro lado
A Forneria San Paolo afirma que "nunca recebeu deficientes visuais" e que "tampouco tinha conhecimento da lei". Diz nunca ter recebido a fiscalização e que vai providenciar o cardápio adaptado em breve.
Segundo a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, que responde pela vigilância, "a fiscalização ocorre rotineiramente e todos os estabelecimentos da cidade são vistoriados".
Berlim
Restaurantes que oferecem uma "explosão dos sentidos" com uma refeição totalmente às escuras viraram febre ao redor do mundo. Em Berlim, o Unsicht-bar (unsicht-bar.com) inovou na proposta ao empregar garçons cegos para guiar os clientes na mesa.
"A decisão de empregar cegos é dar a eles uma chance de trabalho. São mais adequados para mostrar como é comer no escuro", diz a gerente, Ute Benedick.
O restaurante emprega quatro pessoas na cozinha, duas na recepção e cinco garçons. Apenas estes últimos são cegos ou possuem algum tipo de deficiência visual severa. Cada um atende, em média, por noite, 25 clientes.
"Sinto-me útil ao ajudar as pessoas a terem, na experiência do escuro, outra percepção do mundo", diz Hedi, o garçom tunisiano.
Ainda no lobby, o cliente escolhe sua refeição. São cinco variações: vegetariano, peixes, carne ou o menu surpresa. Os valores são altos para os padrões berlinenses: variam de 39,50 a 59,50 euros (R$ 86 a 130), sem bebidas.
Os pratos são descritos em termos misteriosos. Uma das sobremesas é "cheia de paixão, a mulher de amarelo convida as frutas em maravilhosas vestes vermelhas" (era musse de maracujá com calda de frutas vermelhas).
O garçom senta o convidado na sala escura e explica como os objetos estão dispostos: prato, talheres, copos, a cestinha de pão. Por questões de segurança, o cliente não pode deixar a mesa nem para ir ao toalete sem a ajuda do garçom.
Lei municipal
Os 12,5 mil restaurantes de São Paulo são obrigados a ter menu adaptado. Desde 1997, bares, restaurantes e lanchonetes devem ter cardápio em braile. A relação de bebidas (e preços) deve estar disponível.
Fiscalização
A fiscalização cabe às 31 subprefeituras. Cerca de 700 fiscais verificam as condições de acessibilidade (incluindo o cardápio em braile) em São Paulo. A multa da infração é de R$ 500, dobrada em caso de reincidência
Denúncia
Pode ser feita pelo 156, pelo site prefeitura.sp.gov.br ou pessoalmente, nas subprefeituras.
Onde fazer a transcrição
Braille Online - tel. 0/xx/21/3852-3559
Fundação Dorina Nowill - tel. 0/xx/11/5087-0984
Associação de Cegos do RS - tel. 0/xx/51/3225-3816
Laramara - tel. 0/xx/11/3660-6765
Alguns restaurantes com cardápio em braile
Almanara
Antiquarius
Cipriani
Jam Warehouse
La Vecchia Cucina
Parigi
Quina do Futuro
The Fifties
O que é braile?
É um sistema de leitura e escrita em relevo para cegos baseado em 63 sinais. A leitura é feita com as duas mãos.
Fonte: Agência de Notícias