De evolução silenciosa, o glaucoma leva à cegueira e atinge cerca de 1 milhão brasileiros. Com o tratamento adequado, é possível preservar a visão em vida.

Em 26 de maio, comemorou-se o Dia Nacional de Combate ao Glaucoma, grupo de doenças que afetam o nervo óptico e levam a uma perda gradual do campo visual sem qualquer aviso. A principal causa destas lesões do nervo óptico é o aumento da pressão intraocular do paciente, cujo controle é realizado com o uso contínuo de colírios e, nos casos mais graves, com intervenção cirúrgica. Na maioria das vezes, o quadro evolui também sem sintomas. Trata-se de uma doença silenciosa e, por conta disso, subestimada pelos pacientes. O objetivo da data é justamente chamar a atenção da população para importância do diagnóstico precoce e da adesão ao tratamento.

"Nos adultos, a doença acontece normalmente após os 40 anos, aumentando a chance de incidência a cada década. A prevalência do glaucoma aumenta muito com a idade. Com o tratamento adequado, o ritmo de progressão da doença cai, em média, 15% e conseguimos retardar significativamente a perda da visão do paciente", ressalta a oftalmologista Regina Cele Silveira, mestre em Administração Oftalmológica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), colaboradora do setor de glaucoma da Unifesp.

Estima-se que, em 2010, o glaucoma atingiu aproximadamente 1 milhão de brasileiros e seja a maior causa de cegueira irreversível no País. Em todo o mundo, o glaucoma é a segunda principal causa de perda de visão que pode ser evitada. As projeções indicam um número total de casos suspeitos de glaucoma em cerca de 70 milhões em todo o mundo. Pelo menos sete milhões de pacientes com glaucoma estão cegos dos dois olhos e este número vem aumentando. Estatísticas mostram ainda que 80% dos portadores não sentem nada nos estágios iniciais e só percebem o problema em quadros mais avançados, dificultando o controle do glaucoma. Cerca de metade dos pacientes sequer sabem que têm a doença.

A adesão ao tratamento é fundamental para que a doença não evolua mais, pois não existe cura para o glaucoma, mesmo em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos. "O que temos é o controle da progressão da doença por meio da estabilização da pressão interna do olho e da lesão do nervo óptico. Por isso é tão importante que o uso dos colírios nos horários certos e de maneira contínua. Para se ter uma ideia, estima-se que 50% dos portadores de glaucoma já sejam cegos de um olho e não percebam. Devemos lembrar que o glaucoma é uma doença traiçoeira, porque é assintomática no início. Só provoca baixa visual em fase mais avançada", alerta Regina.
 
Causas da infidelidade


Entre os fatores relacionados à baixa fidelidade ao tratamento do glaucoma estão: pacientes idosos, já que nesta faixa etária há maior prevalência de doenças neurológicas que podem levar ao esquecimento dos horários e a limitações físicas; o desconhecimento sobre a doença; o regime de multidrogas, pois se torna mais difícil seguir o tratamento corretamente quando é necessário usar mais de um colírio; os efeitos
colaterais da medicação e a frequência de aplicação da medicação, que quanto mais frequentes maior será a infidelidade ao tratamento. "Na hora da aplicação, o medicamento pode deixar o olho vermelho, irritado, com sensação de ardência e visão turva. Estas reações momentâneas fazem com que o paciente leigo associe o tratamento a uma piora do processo e até mesmo o abandone por completo", explica a especialista.

A escolha do tratamento será feita pelo oftalmologista e deve levar em consideração o tipo de glaucoma, os fatores de risco, a velocidade de progressão e o estágio atual da doença, a flutuação da pressão intraocular, a fidelidade ao tratamento, a condição sócio-econômica e a qualidade de vida do paciente. Há atualmente no País quatro classes de medicação, sendo que todas visam à estabilização da pressão intraocular: os
betabloqueadores, as alfa-agonistas, os inibidores da anidrase carbônica e os análogos de prostaglandinas. Existem ainda algumas drogas administradas por via oral que só são usadas em casos emergenciais.

Os medicamentos podem alterar a condição clínica do paciente com problemas pulmonares e cardíacos, por exemplo. Portanto, além do grau de evolução da doença que determinará se o fármaco precisa ser mais ou menos agressivo para o controle de pressão, o especialista precisa avaliar as condições sistêmicas e oftalmológicas do portador do glaucoma. "Normalmente, as prostaglandinas são mais bem aceitas e toleradas porque possuem menos efeitos colaterais. Colírios com dois medicamentos associados, indicados para casos mais severos, também contribuem para o sucesso do tratamento: é mais fácil lembrar de pingar um medicamento do que dois", alerta Regina.

No Brasil, a Pfizer possui dois colírios indicados para portadores de glaucoma que pertencem à classe das prostaglandinas: Xalatan (latanoprosta) e Xalacom (latanoprosta e maleato de timolol). Ambos atuam no controle da pressão intraocular e, por serem de dose única diária, contribuem na adesão ao tratamento.
 
Glaucoma de baixa pressão é pouco conhecido

E como é possível identificar a doença precocemente a tempo de evitar que evolua para cegueira? "Antes acreditávamos que bastava a pressão intraocular estar abaixo de 20 mmHg para descartarmos a possibilidade de glaucoma. Porém, hoje sabemos que existe o chamado glaucoma de baixa pressão, mais comum em pacientes asiáticos. A pressão de 15mmHg em determinado paciente, por exemplo, pode ser suficiente para lesar o nervo óptico", explica a especialista.

Por isso, é importante que durante o diagnóstico o médico realize não só a medição da pressão intraocular, a análise clínica e do histórico familiar do paciente, mas também exames que avaliem o estado do nervo óptico (exame de fundo de olho), a amplitude do campo visual e a espessura da córnea. Dessa forma é possível avaliar se há lesão ao nervo óptico e qual é o nível de pressão intraocular considerado seguro para aquela pessoa.

Segundo Regina Cele, o diagnóstico precoce e preciso é importante porque, no glaucoma, a suspeita da doença não é tratada: "só indicamos o medicamento quando há realmente uma lesão do nervo, não há indicação de colírio profilático".

Vale lembrar que o glaucoma também pode ser uma doença congênita, considerada primária quando a criança nasce com lesão no nervo óptico e secundária, seja por má formações, síndromes, tumores ou outras doenças que afetam o nervo óptico. Nesses casos, geralmente a indicação de tratamento é cirúrgica.

Na fase adulta, o tipo de glaucoma mais comum e mais simples de ser conduzido é o primário, com 80% dos casos. No entanto, a doença também pode surgir por conta de outras enfermidades, como o diabetes. "Trata-se do glaucoma neovascular causado por uma oclusão na veia central da retina ou retinopatia diabética proliferativa. Quando não tratada, esta enfermidade leva ao aumento súbito da pressão interna do olho", afirma Regina.

Segundo a especialista, tanto nas crianças quanto nos adultos os tipos secundários são mais graves, refratários ao tratamento e com maior risco de cegueira.
 
Sensação de invalidez


Os impactos do glaucoma não-tratado na vida dos pacientes extrapolam a perda gradual da visão. "Geralmente os portadores da doença são idosos, têm outras comorbidades e a cegueira poderá excluí-los definitivamente das atividades e da comunidade. Eles ficam ainda mais dependentes dos familiares e cuidadores e, não raro, entram em depressão", salienta a especialista.

A negação costuma ser a primeira reação dos portadores de glaucoma. Neste momento, é fundamental que a família e os amigos estejam próximos para auxiliá-los. "Todos precisam se conscientizar do seu papel no tratamento. Nosso olhar vai muito além da visão, ele transmite sentimento.
 
E a cegueira contribui com a perda da capacidade da leitura do meio externo e a transmissão da emoção do meio interno, sendo necessária uma readequação do paciente. As perdas são intangíveis", completa Regina.






Fonte: JorNow