As conseqüências que a perda da visão acarreta podem ser irreversíveis. Médicos não devem se demitir da responsabilidade de ajudar seus pacientes a ultrapassar barreira psicológica 

O paciente chega ao nosso consultório com descolamento de retina no seu único olho. Apresenta-se, num misto de angústia e esperança, acompanhado de vários familiares. Explica que não pode faltar ao trabalho. É engenheiro e está prestes a fechar um grande projeto para a companhia da qual é diretor que vai melhorar a sua posição financeira e hierárquica na empresa.

Quem de nós não se viu em tal situação?

Aí você opera três vezes o paciente, a retina não cola e ele perde a visão.
Diante de lamentável situação, qual é a sua conduta?

A) Dá alta para o paciente.
B) Encaminha-o a outro colega para se ver livre dele.
C) Encaminha-o para curso de braile.
D) Explica que o chip para visão artificial está quase a ser implementado como opção para o tratamento.
E) Nenhuma das anteriores.

Se você optou pela alternativa E, acertou.

A nossa posição diante do paciente RETINIANO é muito mais complexa do que normalmente entendemos como correta.

Nesse exemplo, além da perda da visão, que é o mais importante órgão dos sentidos, responsável por 90% da nossa comunicação com o mundo, o paciente perdeu o emprego, a sua posição social, o seu ganho financeiro, a sua independência, ou seja, perdeu TUDO.

Nas próximas linhas, quero pedir à classe de retinólogos para que todos encarem o problema de forma mais abrangente e tentem amenizar o sofrimento desse paciente especial.

A psiquiatria, embora esteja apta a lidar com perdas, raramente tem a oportunidade de observar passo a passo as reações e conseqüências da catástrofe na vida de um paciente com perda total da visão.

A necessidade de uma profunda reorganização psicológica do paciente que perdeu totalmente a visão requer ajuda urgente para que ele possa enfrentar o drama que interfere em todos os aspectos de sua vida. Mesmo o indivíduo mais saudável mentalmente deverá utilizar mecanismos importantes para a sua adaptação à cegueira.

Luis Cholden foi um dos maiores estudiosos no assunto (Cholden, L.S. (1984) - A Psychiatrist Works with Blindness, 4 ed. American Foundation for the blind, New York, 1984). Segundo o autor, existem três fases comportamentais após a perda visual:

Fase 1:
Aparece com o choque da cegueira. É o estado de imobilidade psicológica, descrito como “proteção emocional anestésica”. Seria impossível colocar um limite de tempo nesta fase, mas ele sentiu que quanto mais longa fosse a fase do choque, mais prolongado e difícil seria o processo de reabilitação.

Fase 2: 
É a fase de depressão, envolve sentimentos de autopiedade, pensamentos suicidas. O paciente começa a se confidenciar, e precisa dessas confidências. Nesta fase o paciente começa a apresentar retardo psicomotor pela dificuldade em deambular e se situar no ambiente.

Segundo Cholden, as fases 1 e 2 de choque e depressão são necessárias para o paciente lidar com a cegueira no estágio seguinte.

Fase 3: 
É a fase permanente e se divide em três categorias psicopatológicas:
Lesão psicológica
3A - Prolongamento da fase 2, ou seja, a “depressão”. Agora, uma depressão masoquista. Nessa situação, o indivíduo perde toda a sua identidade e passa a viver sem objetivos para a vida, simplesmente vegeta.
3B - É a exacerbação das desordens características ocasionadas pela perda da visão. O paciente se torna um dependente crônico de outras pessoas do seu convívio social, ou seja, não faz mais nada sozinho. O paciente não consegue se integrar à nova situação.
3C - Neste estado psicopatológico, o paciente se une a outros cegos e forma um grupo que “representa” ou se intitula representantes de uma minoria contra aquilo que consideram “um mundo hostil e sem consideração das pessoas com visão normal para as pessoas sem visão”, ou seja, são aqueles que se revoltam com a situação e culpam os outros.

O que o estudo mostra é que na fase 3, se nada for feito para a reabilitação do paciente, a lesão psicológica que a cegueira produz¬¬¬ pode se tornar irreversível.

Em outro estudo, Fitzgerald estudou as reações à cegueira de forma científica, e descreve quatro fases de reação:

Fase de descrença: o paciente tende a negar a sua cegueira.
Fase de protesto: o paciente procura uma segunda opinião e se recusa a usar objetos de auxílio, como bengala ou braile.
Fase de depressão:quando o paciente já sabe que não vai mais enxergar. Os sintomas são: perda de peso, alteração do apetite, idéias suicidas e ansiedade paranóica.
Fase de recuperação: É quando o paciente aceita a cegueira num estágio em que não se percebe nenhum quadro psiquiátrico. 

Para chegar nessa fase, estima-se que demora de dez meses a um ano.

Conclusões
Observa-se que o caminho para o nosso paciente aceitar a cegueira é longo e espinhoso e, mesmo com um desenrolar bom, o sofrimento do processo de aceitação é de, em média, um ano. Isso, veja bem, na melhor das hipóteses.

A possibilidade de a grande maioria desenvolver um distúrbio psicopatológico é enorme e muitas vezes irreversível.

O caminho é reintegrá-lo na sociedade de maneira que se torne um cidadão digno e consciente das suas limitações.

Por Dr. Jorge Mitre

Fonte: Revista Universo Visual